A LENDA EXISTE E TEM NOME: NELSON TRIUNFO
A LENDA EXISTE E TEM NOME: NELSON TRIUNFO
Mar 19, 2021

A LENDA EXISTE E TEM NOME: NELSON TRIUNFO

Luciana Mazza FOTO: CUFA PE, Red Bull, Reprodução Nelson Triunfo

Ele nasceu no nordeste do Brasil, numa cidade localizada na parte setentrional do Vale do Pajeú, local de um povo hospitaleiro rodeado de serras e vegetação. O nome da cidade, Triunfo, originou-se de uma luta ocorrida entre uma poderosa família dos Campos Velhos, da cidade de Flores e os habitantes da povoação da Baixa Verde.  No turismo, o município tem o privilégio de reunir tantos atrativos, a começar pelo clima, que contradiz a aridez do sertão nordestino, com temperaturas oscilantes entre 8ºC no inverno e 28ºC no verão. Está a 400 km de Recife e a uma altitude de 1.004m, tem vegetação diferente da que predomina na região e uma variedade de lugares a se visitar sem similar em todo Sertão nordestino. Com tudo isso, passou a ser conhecida como “O Oásis no Sertão” mas foi um de seus filhos que a encheu de orgulho e a tornou famosa em todo o mundo adotando seu nome como sobrenome, estamos falando de Nelson Gonçalves Campos Filho, mais conhecido como Nelson Triunfo (66), filho de sanfoneiro, o menino da roça ganhou o mundo sendo considerado o pai do Hip-Hop brasileiro. Nelsão, como é chamado carinhosamente por todos, iniciou sua carreira artística como dançarino de Soul e Funk na década de 1970, sem dúvida  sempre foi a figura-chave na história da cultura Hip-hop no Brasil. Genial, bem humorado e dono de uma personalidade marcante. O STREETOPIA teve a honra de bater um longo papo com ele e agora apresentamos para vocês, confiram!


Nelson, você nasceu em 1954, em Pernambuco, correto? Queria que você falasse um pouco da sua infância e da sua família. Que lembranças tem dessa época?

"Falando um pouco da infância vem todo um princípio que eu tive, que foi muito importante em toda a minha trajetória, eu fui privilegiado quando eu nasci lá na divisa de Pernambuco com a Paraíba, na verdade foi em Triunfo. Foi uma infância de moleque do interior de uma cidade simples, que também conviveu com a roça. A roça foi muito presente na minha infância, às vezes, nas férias, meu pai passava no sítio conosco, eu tomava conta de gado e tudo, e ao mesmo tempo eu estudava em Triunfo e ia apenas à noite para dormir lá. Eu trabalhei muito no sítio, fiz roça, fazia colheita de goiaba, bananas. No colégio eu sempre fui muito bom aluno, sempre fui um dos primeiros da classe. Eu tive uma base forte, naquela época já tinha o samba, já tinha o frevo, o maracatu muito presente! O forró! Luiz Gonzaga estava estourado naquela época e fazia muito sucesso! E fora isso, eu já curtia Beatles, Jovem Guarda, o som Black lá de fora. Na minha cidade, eu vi muitos filmes históricos com Gene Kelly, Fred Astaire, nessa época que eu também aprendi dar pião e espacate, os mortais. Tenho lembranças muito boas de festas de São João, eu com 13 anos ia tocar no forró com aquela sanfona, meu pai era sanfoneiro e eu já arranhava um pouquinho, às vezes nós íamos para festejos que tinha fogueira. Nós fazíamos milho na fogueira. Me lembro da moenda dos engenhos para fazer rapadura, por muito tempo a rapadura foi o açúcar do nordeste, era algo tradicional. Na época da cana de açúcar aquilo era uma delícia! O cheiro do mel, da cana de açúcar viaja quilômetros. As brincadeiras do colégio, que fazíamos corridas e olimpíadas, natação, tudo isso tinha no nordeste. Muitos imigrantes levaram esses avanços para lá. Triunfo chegou a ter o terceiro colégio mais importante do Brasil. Eu gostava de ficar na praça à noite, namorando as menininhas (risos), nós chamávamos de conquista, nós olhávamos para elas, se ela não tirasse o olho de você é porque estava interessada, tinha alto falante, você pagava para tocar as músicas e podia oferecer para quem desejasse. Depois da última música, tinha o cinema. Antes de chegar a luz em Paulo Afonso, ela só ia até às 22h10, depois disso era vela. Nessa época, não tinha televisão, ainda era só rádio. Na Copa de 70 é que chegou a televisão preto e branco mas vimos mais chuvisco do que imagem..."



 No tempo que o rádio chegou dentro de sua casa muita coisa mudou? Se aprofunde mais nos interesses culturais que tinha naquela época, além do frevo, do samba, do maracatu, do forró… Você viveu várias “ondas culturais”. Fale das influências que sofreu?

"Eu já dançava muito! Dançava o frevo, que era tradição, o samba, o forró, que na época era chamado de pagode. Na minha época, pagode significava uma festinha. Vamos num pagode? Vamos numa festinha? Não tinha nada a ver com o samba que eles chamam hoje de pagode. Nessas festas, rolava muito uma mistura de Beatles, Jerry Adriani, Roberto Carlos, Renato e Seus Blue Caps, The Fevers, Martinho da Vila estava começando… eu vivi tudo isso, além das danças regionais, por isso que tive uma grande diversidade cultural eclética. Eu via o que acontecia lá fora também, como eu tinha vontade de conhecer Nova York, Alemanha! Mas eu pensava que era tudo distante… E hoje, graças a Deus, eu já conheço todos esses lugares!  As influências que eu sofri com os tipos de dança, uma dança sempre arrastou a outra, as danças não são iguais, mas têm passos que se repetem entre uma e outra, tudo isso me alucinou um pouco, me trouxe alegria, eu comecei brincar de uma forma que virou verdade e todo mundo gostava e aplaudia. E tudo isso passou a fazer parte da minha vida, foi quando eu tomei a decisão de fazer da dança minha profissão..."


Na década de 70 muita coisa aconteceu, correto? Você se mudou para a Bahia, começa a frequentar os famosos Bailes Blacks, começa a gostar muito nessa mesma época  de James Brown e cria uma estilo próprio de dança. Comente sobre como eram esses bailes, o que rolava e comente como foi a criação dos “Invertebrados” que foi o primeiro grupo de dança Black do nordeste?

"A dança Black não tinha comércio no Brasil, hoje nós temos batalhas de Hip-Hop, temos batalha de Soul, de Breaking, isso não tinha naquela época, eu fui um dos primeiros caras a fazer disso aí um produto cultural e alguns que queriam ter em determinado local, nos contratava. Em 1984, na  novela Partido Alto, nós abríamos a novela, fomos pagos para isso, então, a dança era uma profissão também. Trabalhava de uma forma consciente, focando também no social. Nossa dança também é um sentimento que se carrega. Exemplo são as crianças: quando você coloca um som e ela começa a balançar a cabeça, quem foi que ensinou a ela que tinha que balançar a cabeça? Então, é um sentimento! Sobre os Invertebrados, quando eu saí de Triunfo, com 16 para 17 anos e fui estudar em Paulo Afonso, lá tinha um programa no Cine Coliseu, ele ficava no meio de uma praça e tinha um cinema, um palco lindo e lá tinha um programa que era parecido com o Programa do Chacrinha, tinha calouros, tinha grupos lançando músicas, o nome do programa era “O Coliseu Show” e aí eu comecei a me apresentar ali,  a dançar, e chegou um cara do Rio e tinha outro amigo meu de Paulo Afonso, que pediu para subir no palco para dançar comigo e aí nós dançamos “Sex Machine”, do James Brown. Nossa! Foi uma gritaria! Foi muito legal e quando nós descemos do palco, veio uma senhora e perguntou assim: “Meu filho, nossa! Como vocês dançaram, são lindos, são maravilhosos! Vocês não têm ossos!”. Aí perguntou: “Qual o nome do grupo?”, e aí eu aproveitando o “não tem ossos” dela, já inventei na hora e respondi: “Por isso o nome do nosso grupo é Invertebrados!”. Daquele dia em diante nos tornamos os Invertebrados (risos). Já os Bailes Blacks é mais nos meados dos anos 70, o grande auge no Rio de Janeiro foi 1976, mas continuou em 1977, 1978, aqui em São Paulo foi até 1986, aí depois terminaram os Bailes Blacks, pois já tinham outras coisas entrando, depois se tornaram algo mais simples, sendo o mesmo pessoal hoje que faz baile de nostalgia, que usa mais samba rock. No Rio, era mais soul e em São Paulo era soul e samba rock e as letras eram legais, isso aconteceu no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre, foram cidades que concentraram os Bailes Blacks. Depois, se espalhou para o nordeste e para algumas cidades do interior. No Rio, acontecia em Barra Mansa e em Volta Redonda, Teresópolis. Mas nos anos 80 já começou a se misturar com o Hip Hop..."


Nesse tempo você deixa o cabelo crescer, criando uma imagem que iria o seguir pelo resto da vida. Ficou décadas sem cortar o cabelo! Nos fale da importância desse visual em todo o contexto?

"O meu estilo vem de uma coisa de criança, eu era uma criança muito curiosa, lia sobre tudo, nisso eu puxei o meu pai. Mesmo sendo criado na roça eu era bem aculturado. Eu sempre quis ser meio maluco e os meus pais não deixavam (risos). No sítio mesmo eu já fazia batuque, já fazia festas, campeonato de futebol, eu sempre fui meio doido, mas não tinha liberdade. Quando eu fui morar sozinho, virei um Black Power: era bonito e eu gostava! Nos EUA estava rolando o Festival  Woodstock  e eu sempre estive atualizado com tudo que rolava lá fora. Nessa época, eu já fazia parte da resistência, fui para Brasília, passei três anos trabalhando mas com o cabelo do mesmo jeito. E depois, vim para São Paulo. Até hoje eu nunca cortei o cabelo! Estou há muitos anos longe de Paulo Afonso, foi onde tomei a atitude de deixar crescer o meu cabelo, fiquei tão famoso lá que eu saí de lá em 1974 e até hoje os moleques deixam o cabelo crescer como o meu  (risos). E quando o cabelo fica grande chamam de Nelsão (risos). Os meus fãs do Brasil inteiro e os que me conhecem de fora, eles acham uma coisa muito legal minha, que é aquela hora quando eu começo a dançar e tiro a touca e solto o cabelo (risos), eles adoram essa parte, eu também fazia no futebol, porque eu jogava futebol e toda vez que eu fazia um gol eu tirava a touca e balançava o cabelo, é minha marca registrada! Sem o cabelo não é o verdadeiro Nelsão! É a verdaeira resistência que ninguém conseguiu me engravatar, ninguém conseguiu cortar ele, ninguém me forçou a seguir algum modismo. Desde de 70 eu fui Black Power até hoje! Talvez o único cara do Brasil que é Black Power daquela época. Ele já está caindo um pouco, já tenho 66 anos, não é o que era antes!"



 Em 1976 você chegou em São Paulo, como foi sua chegada na terra da garoa? Foi nesse tempo que você se dedicou completamente a dança, participou de bastante shows, fazendo parte do Black Soul Brothers. Pode comentar?

"Começando em Paulo Afonso tinha alguns grupos que me chamavam para dançar e quando chegava a hora eu fazia o maior sucesso. Foi lá que eu comecei a dançar! Isso acontecia no final de semana, pois eu trabalhava. Em Brasilia não foi diferente… eu trabalhava em topografia, estudava à noite e no final de semana eu ia para os bailes. Às vezes, nós iamos para o Rio para curtir os Bailes Black Rio, comprava aqueles sapatos pisantes… Aí em 1976, eu vim umas duas vezes para São Paulo, mas eu vim para fazer televisão: Silvio Santos, Chacrinha, aí pronto! No final de 1976, eu terminei os estudos em Brasília e no início de 1977 eu vim de vez para São Paulo, mas quando eu vim para São Paulo eu decidi que não queria mais trabalhar com topografia  e que iria me dedicar aquilo que sempre  eu gostei, na música, na dança, nas composições. E comecei forte, em 1977, com Tony Tornado, Miguel de Deus, Moisés da Rocha do Samba Pede Passagem, que na época ele tinha uma equipe de Black Music, já conhecia as equipes do Rio de Janeiro, quase sempre eu ia para lá! Nessa época, a Black Rio estava estourada!  E naqueles anos, eu já tinha dentro da minha dança o Robô, o Wave, um pouco de giro de cabeça, eu fui uma das primeira pessoas a fazer movimentos de Breaking aqui no Brasil. Em 1982, já era possível aqui ver pessoas dançando Popping e em 1983, tem um vídeo muito interessante chamado “Gilberto Gil Funk-se Quem Puder”, nesse tempo nós já dançávamos nas ruas,  mas dançávamos mais Funk. É possivel ver o Original Funk e Cia. saindo do Soul e entrando na Dança de Rua. Mas na verdade, nunca saímos do Soul Funk, só entramos de cara no Hip-Hop e estamos aí até hoje, numa grande mistura no Freestyle. Tem as coisas originais, mas sempre aparecem as coisas novas, as novidades!"


Em 1977 acontece a gravação do disco de Miguel de Deus e Mr. Funk, de sua autoria, está no disco. E ainda na década de 70 surge o Funk e Cia. Nos conte sobre esse trabalho e sobre o grupo?

"Na verdade, em 1977 foi um ano que aconteceu muita coisa, eu fui na TV Tupi, onde hoje é a MTV e lá eu encontrei o Tony Tornado, o Moisés da Rocha, que trabalhava na Difusora, eles me convidaram para um baile que era grande em São Paulo, na Associação Atlética São Paulo, inclusive eles convidavam equipes do Rio de Janeiro, para fazer som com eles e alí surgiu o Miguel de Deus, que me convidou e até no disco dele tem uma musica que é minha, o Mr. Funk e também criamos a Black Soul Brothers, foi o nome do primeiro grupo que eu formei em São Paulo, existiu apenas para o trabalho do disco de Miguel de Deus. Assim que acabei esse trabalho, pensei em formar um grupo bem maior e potente, foi quando eu pensei no Funk e Cia. e em 1977 fui montando o Funk e Cia. com pessoas muito boas, pesadas! Eram 10 componentes! Todos foram escolhidos a dedo! Eu formei o Funk e Cia. com os melhores dançarinos da Black Music de São Paulo. Foram as que participaram do Funk-se Quem Puder. Passamos do Soul para o Hip-Hop, depois vieram outras formações do Funk e Cia. com os anos os componentes foram mudando. Hoje existe o Funk e Cia. mas atualmente é mais dançante e cantante. Mas a formação pesada foi de 1978 a 1983. Eles foram escolhidos de uma forma bem exigente, eu ia nos bailes blacks e via os caras dançarem, entrarem na roda e as vezes pintava aquele que dançava muito, aí eu conversava com ele e o convidava para o Funk e Cia. Eram os melhores dançarinos da Black Music de São Paulo..."


Como foi participar de shows de artistas tão importantes como Tim Maia, Gilberto Gil, Sandra de Sá e Jorge Ben Jor? Verdade que o Tony Tornado te chamava de “O Homem Árvore”?

"Foi importante eu dançar com todos esses nomes da Black Music Brasileira, porque eu também era um astro da dança, então, eu me sentia em casa e me dava muito bem com todos, era muito legal e no caso do Tony Tornado, a primeira vez que ele me viu os caras estavam junto com ele, o Serginho e falaram “nossa, o cabelo dele parece uma árvore!”. E ele disse “verdade parece um homem árvore” (risos). E na hora de um show, quando foi me apresentar, “agora com vocês, pessoal, o Homem Árvore”… Aí pronto, nunca mais ele me apresentou diferente desse nome e outra coisa, nos bailes blacks do Rio e do Sul que tinham os melhores dançarinos, que eles me respeitavam muito. No Black Rio o meu nome era o Homem Árvore!"



Em 1978, James Brown veio ao Brasil. Você conversou com ele… Como foi conhecer James Brown? O que vocês conversaram? Verdade que você ganhou um presente dele? Fale da foto icônica e emblemática feita por Penna Prearo onde você aparece?

'Foi muito legal! Nos encontramos no Aeroporto de Congonhas, estava o Paulo Inglês, que era o nosso intérprete e mais alguns caras da Chic Show. Batemos um grande papo, eu disse a ele que gostava e que era um fã do ritmo dele, falei que eu era um dançarino no Brasil, que existiam os bailes blacks no brasil e ele disse que tinha visto reportagens sobre isso e tudo e eu disse para ele que o show no Palmeiras ia ter muita gente! Dancei um pouco para ele ver e ele disse: “The best, the best!”. Aí ele me presenteou com uma capa a qual eu levei para o show que eu iria me apresentar depois dele e infelizmente na hora que eu fui me trocar no camarim a capa sumiu. Alguem entrou lá e só de maldade levou a capa. A foto me mostra neste show com a capa antes dela ser furtada!"




Nelson, comente a importância de James Brown para a cultura mundial, fale sobre o legado que ele deixou e nos diga o que sentiu quando recebeu a notícia do falecimento dele em 2006?

"A música do James Brown sem dúvida foi uma das maiores revoluções da música black do mundo, foi uma música que trouxe em si a dança, as mudanças, o próprio Original Funk virou várias outras coisas, inclusive até o Heavy Metal veio do Funk. O Funk é uma música muito louca. A grande maioria samplearam James Brown, eram músicas que se tornaram muito conhecidas do povo, o Rap cantado em cima daquelas bases, já pegava moral também. Ele foi um cara único, que quase não deixou nada para ninguém fazer a maioria das Danças Urbanas, vem do Original Funk. Sem dúvida é a maior base original para vários estilos, que são esses que rolam inclusive dentro da nossa Cultura Hip-Hop, quando estamos nas festas que têm os Poppers, os Lockers, B-Boys, B-Girls, até o House e o Freestyle, em todos esses estilos de dança, a base deles são do Original Funk. A noticia do falecimento dele foi muito triste, me desmontou, foi um tempo muito ruim e muito triste, ele não tinha sinal nenhum de estar ruim e de uma hora para outra partiu.. foi algo louco! Eu me lembro quendo eu voltava de Berlim, em 2006, era dezembro e eu vim chorando dentro do avião, pois estava escutando uma rádio e tocou aquela musica dele “O Mundo dos Homens”. O sentimento que eu tive foi de uma perda muito grande!"



Muitos te consideram o pai do Hip-Hop no Brasil, fale da sua ligação com toda a cultura e com o Breaking? Como era o Breaking na década de 80? O que se mostrava nas rodas? E nos fale dos dias e da importância da São Bento?

"Na verdade o Breaking aqui no Brasil, no final dos anos 70, o Funk e Cia. já fazia o Robô, o Wave, inclusive eu tinha três pessoas no grupo que eram capoeiristas, eles faziam Head Spin, davam mortais, já tinha um bocado dessas coisas que hoje os B-Boys fazem aí, depois chegou o Six Step que era o Footwork, quando nós fomos para a rua em 1973, já tinham caras fazendo Moinho de Vento e alí começavam os primeiros breakers do Brasil, porque até então nós tinhamos algumas coisas no Funk e Cia. mas ligado ao Soul e foi juntando tudo e, em 1983 e 1984, nós já tínhamos bons dançarinos de chão, mas na concepção daquelas danças da época. Na época do Beat Street é que foi aprimorado mais movimentos e técnicas e maior conhecimento de todos os elementos. Em 1984, já tinha uma revista falando sobre os  elementos do Hip-Hop com o tempo, houve a evolução da danças, os caras foram aperfeiçoando a ponto que eu já falava que o Breaking tinha muitos jovens que eram melhores que os ginastas olímpicos. Então, esse negócio agora do Breaking estar nas Olimpiadas eu vejo como uma reparação. Eu acho que desde 1999 nós já estávamos numa evolução muito capaz! Sobre a São Bento, nós dançavamos no passado em vários lugares de São Paulo, depois fomos ficando mais na 24 de maio, em 1984 a 24 de Maio virou point. Em 1985, começou a se procurar outro lugar, foi quando surgiu a São Bento que era apenas no sábado, os encontros aconteciam sábado à tarde! No final de 1985 a São Bento estava estourada e não cabia mais ninguém, em 1986 começaram as grandes batalhas das crews, virando um point nacional. Em 1993, aconteceu a primeira batalha de Breaking no Brasil, interestadual. O próprio Mano Brown, o KL Jay iam para lá, o Thayde, isso era 1985, que fazia parte da Dragon Breakers, depois virou Back Spin Crew, aí depois Thayde e DJ Hum formaram a dupla e começaram outros trabalhos. As duas grandes bases de tudo isso foi a 24 de Maio com a São José e a São Bento. E a Casa do Hip-Hop em Diadema..."



Bom Nelson, você falou de Olimpíadas… Entrando nesse assunto, esse ano o Breaking passou a fazer parte dos jogos olímpicos. E B-Boys e B-Girls começam a ser vistos como atletas. Qual sua opinião sobre esse assunto?

"Isso é evolução, todos aqueles que foram contra a evolução ficaram para trás: eu não! Eu vim para cá, fundei a Casa do Hip-Hop em Diadema e outros já fundaram outras casas, é uma evolução, às vezes alguns reclamam da notoriedade e de tudo, mas não tem como dizer que o Breaking, que o Graffiti não são comerciais. O Graffiti está no mundo inteiro hoje, grandes prédios de grandes cidades têm Graffiti, os DJ’s sempre estiveram aí, fazendo as festas. O Rap está no mundo inteiro e o B-boy sempre esteve em evidência, em todos esses anos aconteceram batalhas maravilhosas, antes tinha a Battle of the Year que era na Alemanha mas hoje tem no mundo inteiro, na Coreia, no Japão, na Rússia, nos EUA, no mundo inteiro têm B-Boys e hoje os caras desafiam até a lei da física, fazem movimentos com o corpo incriveis, eu até me lembro dos Invertebrados, a evolução e as precisões são muito boas! Hoje eu considero um bom B-Boy, avançado mesmo, como um bom ginasta de solo. Por isso que falo que não é surpresa o Breaking estar nas Olimpíadas para mim é uma reparação, pois deveríamos estar desde 1999. É algo evidente!"


Falando da Casa do Hip-Hop de Diadema, fale da importância dela na cena e na recuperação e educação de jovens?

"A Casa do Hip-Hop nasceu de um projeto, o Repensando, que nós já fazíamos dentro das escolas, foram as primeiras aberturas da sala de aula para a Cultura Hip-Hop e ali tinha uma pessoa chamada Elisete, que trabalhava na educação junto com o Paulo Freire e ela foi chamada para trabalhar em Diadema, que foi a primeira cidade que o PT ganhou uma prefeitura no Brasil e, com isso, foi o pessoal da educação e tinha uns moleques lá que pediram para levar o trabalho que acontecia em São Paulo para lá e começamos o trabalho em alguns centros culturais lá. E de uma hora para outra estourou, tinha uma divisão de bairros, Diadema era vista como uma das cidades mais violentas de São Paulo. Começamos o trabalho em 1990, o trabalho cresceu e em 1994 já tinha o Centro Cultural do Caema, que mais tarde iria virar a Casa do Hip-Hop. Naquele tempo eu e Marcelinho Back Spin queriamos fazer a Casa do Hip-Hop e lá se tornou um centro cultural padrão, nós fazíamos os eventos e bombavam. Criamos o Hip-Hop em Ação, entre os centros culturais, para se apresentar lá todo o final do mês onde aconteciam todas as oficinas juntas do Caema e de todos os centros culturais, sempre trabalhávamos os 4 elementos e se tornou algo nosso, era um trabalho social desenvolvido, que começou a vir gente do Brasil inteiro para aprender conosco e já funcionava como Casa do Hip-Hop e, em 1999, nos tornamos Casa do Hip-Hop de Diadema, saía na grande mídia, saí no Fantástico, no Globo Repórter, uma porção de coisas, mostrando os trabalhos sociais com jovens e foram muitos jovens que sairam de lá e que hoje estão no mundo inteiro. Só no Estado de São Paulo deve ter mais de 50 Casas do Hip-Hop, a nossa foi a primeira Casa do Hip-Hop da América Latina. Nós criamos vários jovens, vários multiplicadores do Hip-Hop através da Casa do Hip-Hop..."



Nelson, certa vez você declarou que escreveu sua história no “Brasil dos Preconceitos”, você sofreu muito com isso? Verdade que na época da ditadura você foi preso e até apanhou? Como você se sente hoje, como vê algumas pessoas do atual governo defendendo a volta da ditadura?

"Hoje pessoas que defendem a ditadura são pessoas que estão de embalo, como sempre existiram essas pessoas na história, não sabem nem o que foi a ditadura e falam besteira e outros devem ser filhos dos militares, porque claro que filhos de militares foram criados dentro de uma doutrina que eles não acham problema, de ver o país sendo governado por militares e pessoas que têm esse dom da suástica, essa aversão a esquerda e querem ser os melhores através da estupidez e não da inteligência, você vê quanta gente não sabe nada e quer discutir sobre politica, politica é uma ciência, é o conhecimento da sociedade, tanto do lado do bem como do lado do mal, no caso desses é do lado do mal, então, eles veem todo o lado artístico como ameaça. No meu caso, eu sofri muito preconceito, o preconceito de ser nordestino, no meu sotaque quando eu cheguei aqui, tinha preconceito até na comida quando eu pedia em alguns lugares farinha para colocar no feijão, a farinha ficava escondida debaixo do balcão para ninguém ver, era vergonhoso usar farinha. Outra coisa: eu era o cara do cabelo Black Power e tinham preconceito com o meu sotaque, mas eu assumia o que eu era, como eu falava, o meu cabelo, eu nunca mudei. Eu assumi o Brasil Nordestino que eu representava e também mostrei muito o conhecimento que eu tinha lá de fora, eu lia muito. Então os caras vinham com argumento furado, racista, de gente boba e eu só dava cassetada nas testas deles com as minhas ideias e eles não podiam muito comigo. Eu fui um dos caras que mais fui preso na cidade, eu ia preso porque eu estava dançando, me apresentando e para os policiais aquilo era coisa de malandro, era tanto que eles pediam a carteira assinada. Como eu ia dançar nas ruas e ter minha carteira assinada? Quem ia assinar? Então, se não tinha carteira assinada, não era trabalhador! Era vagabundo! Eles levavam preso por vadiagem e mais para desfazer a roda mesmo, onde todo mundo estava aplaudindo. E eles não queriam isso. Então eu fui um dos caras que mais fui preso defendendo a cultura. E quando eu fiquei doente, muitos novos ficaram sem acompanhamento nas ruas, pois era o mais antigo, eu vinha de outras gerações, eu era revolucionário. Hoje eu tenho 66 anos e eu não parei graças a Deus! Todos me veem como da própria familia! Eu sempre ajudei a todos como pude! Nosso trabalho sempre foi de ajuda e de militância! Quantos moleques fizeram parte desse trabalho e hoje são doutores! Campeões Mundiais! Outra lembrança interessante é que quando eu fui dançar no Chacrinha, os caras falaram que não era para eu falar e sim apenas para dançar, na época tinha muita gente que cantava em inglês, aí eu dancei, dancei e dancei, saí sem falar com ninguém e depois eu fui descobrir porque foi que o cara não queria que eu falasse, depois em outra ocasião aconteceu a mesma coisa eu ia cantar uma música chamada 84 na 24 e quando eu cantei uma mulher da produção disse que eu tinha problema na lingua e que não daria daquela forma, enfim, o que aconteceu foi um racismo feio comigo! O problema na língua era o meu sotaque nordestino! Para eles a minha forma de falar era uma vergonha! E eu fui vencendo isso tudo, os mesmos que falaram mal de mim, me vendo na televisão, me vendo vencendo, se tornaram meus amigos! Foi mais uma vitória do Triunfo!"



Nelson fale das homenagens que já recebeu na sua vida? E também do teatro, do  filme, da  biografia e da sua estátua em Triunfo?

"Já recebi alguns prêmios e homenagens, como o do Hutuz de Melhor Lider Comunitário, ganhei em São Paulo em 2008 o título de Cidadão Paulistano, também em 2008 a Comenda da Cultura Nacional, o reconhecimento que o Ministério da Cultura tem por algumas pessoas que desenvolvem trabalhos muito importantes dentro da cultura do país, teve o “Se Liga Mano” que foi uma peça feita em 96 para 97, tinha 60 atores, todos eram alunos do Centro Cultural de Diadema, foi algo maravilhoso! Triunfo, o filme, dirigido por Cauê Angeli, que passou umas 30 vezes no Canal Brasil, feito  em 2014,  é um filme interessante que conta um pouco da minha história, foi premiado em vários lugares, inclusive num festival na Espanha. Aí vem a minha biografia, que foi feita por Gilberto Yoshinaga em março de 2014, quem leu gostou muito! E por fim a estátua em Triunfo, o pessoal vinha cogitando faz tempo que iriam fazer uma homenagem a minha pessoa e eles fizeram uma estátua lá e isso mostra uma mudança, pois antigamente se fazia homenagens dessa na ausência da pessoa, no meu caso fizerem uma estátua em vida e fiquei muito feliz! Eu vejo que as coisas são resultado do que você planta. A estátua foi feita pela Prefeitura de Triunfo, no sertão de Pernambuco, minha cidade de origem!"



O que você tem feito nesse tempo de pandemia?

"Eu tenho ficado em casa, de boa, estou compondo, eu escrevo, tenho lido muito, fazendo minhas lives e tenho me comportado dessa forma, com cuidado, enquanto não tomo a vacina. Acho que ainda vai demorar um pouco e a parada ainda vai longe…"



Que mensagem você deixaria para a nova geração que vai continuar essa história do Hip-Hop no Brasil?

"Eu os vejo como a continuação, tem B-Boys e B-Girls novos que são maravilhosos! Eu sei também que tem muitos B-Boys hoje que estão no auge que, quando chegar em 2024, talvez não estejam mais e outros novos aparecem,  tudo é uma questão de tempo, mas também acho que alguns dos antigos serão mentores, técnicos, coisas assim, eu acredito muito na galera jovem, principalmente na dança deles, porém, eu gostaria de vê-los mais politizados, valorizando a educação, os livros, a informação, essas coisas que eu gostaria de falar aos jovens, além de serem atletas, dançarinos, que procurassem ser pessoas boas, pessoas que não prejudiquem outras, porque o que você não gosta que façam com você não deve fazer com os outros! Sejam pessoas incríveis e felizes!"



Para finalizar, Nelson, tem alguma coisa na sua vida que você se pudesse mudaria? Como gostaria de ser lembrado ?

"Eu gostaria de ser lembrado de alguma forma fazendo parte dos representantes do Brasil que vão para as Olimpíadas. Como guru, como um símbolo da Dança de Rua do Brasil. Gostaria de ser lembrado por ter feito parte dessa primeira equipe que será escolhida para representar o Breaking brasileiro nas Olimpíadas! Algumas pessoas acham que eu sou louco, nós que somos diferentes algumas pessoas já carimbam como louco, eu gosto de ser visto dessa forma, pois todos que foram vistos como loucos e malucos foram os que melhoraram o mundo! Talvez se eu fosse diferente eu não gostasse de mim! Foram os descobridores e inventores das coisas, foram esses que transformaram de vez o mundo! No passado eu fiz o que eu pude e continuo fazendo de boa, sem estresse, numa nice e suave na nave!"

 


Luciana Mazza: Jornalista, Cineasta e Editora no Portal Breaking World

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