SILÊNCIO: A MINA REPRESENTA!
SILÊNCIO: A MINA REPRESENTA!
Mai 11, 2021

SILÊNCIO: A MINA REPRESENTA!

Luciana Mazza FOTO: Redbull

Emocionante! Não tem outra palavra que define a vibe daquela noite de julho de 2019, durante a “Rede Bull BC One Cypher Brasil” quando, diante de todos da cena, duas B-Girls fortes e inspiradoras disputaram a vaga para ir à competição mundial em Mumbai, na Índia. De um lado, Karyn, do outro, a mineira Itsa, que foi a campeã da noite. “Foi tudo bastante inesperado”, conta Itsa.


No dia das seletivas em Belo Horizonte, acordou tarde, estava prestes a perder as inscrições. Com uma ajuda de uma amiga, chegou a tempo de participar e ganhou em Belo Horizonte, depois, em outra atividade, teve um acidente no palco e machucou o pé direito. Sua participação e vitória no “Camp Brazil” foi com o pé enfaixado. Mas foi com esse mesmo pé que venceu e entrou num avião rumo a Mumbai, na Índia.

 

Superação sempre foi combustível para aqueles que sabem que o céu é o limite! A vida de Itsa nunca foi fácil, nasceu em Belo Horizonte, crescendo na divisa do bairro Tirol com a favela do Itaipu, a infância foi cheia de discriminação e precisou ser forte e ter foco para seguir em frente. Sua persistência e determinação a levou longe...


Até uns dias antes da pandemia, Itsa tinha uma vida cheia de viagens e 10 shows na semana, garante que a situação tem suas vantagens e desvantagens. Falou: “Aprendi a cuidar da saúde e ter disciplina para manter o nível técnico”


Itsa não para! Mesmo num momento tão complicado no mundo ,recentemente protagonizou a série “Until 18 – O Momento da Decisão”, produzida pela Red Bull TV. Foi entre um compromisso e outro que Itsa aceitou conversar com o STREETOPIA:


Confira abaixo:


Queria que você falasse um pouco sobre onde nasceu, sua infância e sua vida em família.

Nasci em Belo Horizonte (MG), cresci na divisa do bairro Tirol com a favela do Itaipu, na região do Barreiro. Minha infância foi cheia de discriminação, por causa do meu estereótipo corporal, por meu comportamento não 100% feminino e nem 100% masculino. Eu era uma criança muito agitada, sempre gostei muito de jogar bola, brincar.


Parece que sua relação com a dança começou cedo. Nos conte um pouco sobre isso. Você teve apoio da sua família?

A minha primeira referência na dança foi meu primo William, ele se mudou para o lado da minha casa, e comecei a vê-lo (escondido pelo muro) treinando no quintal de casa. Depois, consegui convencê-lo a me levar para os treinos. Minha família não acreditava que iria tão longe, e tinham medo dos lugares e horários que aconteciam os treinos e eventos. Quando perceberam que eu não iria desistir da dança, começaram a me apoiar.


E quando surgiu o amor pelo Breaking?

O amor foi à primeira vista. Ver aqueles movimentos sendo executados com tanta rapidez e musicalidade mexeu comigo.




Alguém te ensinou a dançar Breaking? Você teve referências? Quem foram?

Ge Santiago (B-Boy Ge) e Lorran Daglas (B-Boy Sarda), co-fundadores da Crew “Skeleton Breakers”, foram duas das primeiras pessoas a me ensinar o Breaking, voltado para batalha. B-Girl Chellz e B-Girl Ruthchelly também me ensinaram muito, minhas primeiras referências além delas… B-Girl Nathana de Uberlândia, B-Girl Sarah Bee, da França.


Em 2018 você passou a integrar o balé do “Circo du Soleil”. Como foi isso da seleção até o resultado? Como é o dia a dia de quem dança e trabalha em circo?

Em maio de 2017, minha ex-professora de Ballet Danielle Pavam, fez um post no Facebook, se tratava das Audições que o Cirque faria para dançarinos de todas as modalidades. Me inscrevi e fui fazer a audição, em agosto do mesmo ano. Felizmente, eu passei, mas ainda sim, tive de esperar 5 meses para ser chamada. Ter uma vida de viagens e 10 shows na semana tem suas vantagens e desvantagens. Aprendi a cuidar da saúde e ter disciplina para manter o nível técnico.




Fale sobre sua experiência de ser B-Girl no Brasil e nos conte os principais desafios enfrentados hoje pelas mulheres?

Estou vivendo um dilema no momento, que é de não ser reconhecida como “Não-Binário” na cultura e, além de tudo, também estar enfrentando esses desafios junto às mulheres no Breaking (afinal de contas, foram elas que me acolheram). Devemos nos atentar ao fato de que, assim como boa parte da comunidade Trans foi excluída do movimento LGBTQIA+, hoje a Cultura Hip-Hop está excluindo as mulheres (cis e trans) da cultura, não só elas, como outras minorias.




Machismo, assédio e preconceito dentro da cena existe? Você já foi vítima disso? O que pensa sobre os assuntos?

Existe, é um absurdo, e tem que acabar! Não só eu, mas, milhares de mulheres, homens e trans foram discriminados. Várias pessoas desistiram do Breaking por situações de assédio, homofobia, humilhação ou até mesmo segregação da dança. A “Rede Bgirls do Brasil” se uniu e criou um guia ante assédio para conscientizar os B-Boys e B-Girls da cena. Eu acredito que isso seja apenas o começo, as mulheres irão resgatar a verdadeira essência do Hip-Hop, educando os homens que quiserem participar de seus eventos!


Quando surgiu a ideia de participar da “Red Bull BC One Cypher Brasil”? Você imaginava chegar na final e ganhar?

Foi tudo bastante inesperado. No dia das seletivas, em Belo Horizonte, acordei tarde, estava prestes a perder as inscrições. Por uma ajuda da minha amiga cheguei a tempo e ganhei em BH, depois, fazendo turnê, tive um acidente no palco e machuquei o pé direito. Ganhei o “Camp Brazil” com o pé enfaixado.




Como você se preparou para esse evento? Naquele tempo que esteve competindo bateu um frio na barriga ou foi tranquilo?

Não tinha me preparado para o evento no geral, estava me recuperando do meu acidente. Estava feliz de ter visto amigos do Breaking e Hip-Hop depois de tanto tempo só viajando e trabalhando com o “Cirque”, era a primeira vez depois de muito tempo que eu não dançava algo diferente das coreografias do show.


Porque você acha que os jurados decidiram por você? O que fez a diferença na final?

Acredito que as batalhas foram bastante acirradas, mas eu estava me sentindo com bastante energia, acho que naquele dia consegui me conectar com minhas adversárias, jurados, DJ e plateia.


Que sentimento você teve quando recebeu a notícia que era a ganhadora da “Cypher Brasil”? Como foi o retorno para a sua cidade, teve muita festa e comemoração?

Um sentimento de surpresa, euforia, ao mesmo uma sensação de ter calado muitas pessoas que duvidaram de mim. Minha família não estava lá em SP, mas acompanharam tudo pela live. Meus amigos do “Cirque” e de BH, todos me parabenizaram. Teve churrasco!




Nos conte como foi a sua viagem para a Índia. O que achou do local, das pessoas e dos costumes? Como foi recebida?

A Índia é um lugar de pessoas muito fortes espiritualmente, apesar da pobreza e poluição extrema, fui muito bem acolhida, os B-Boys Bart, Till, Pelezinho e Neguin estavam comigo e aproveitamos bastante o evento treinando, participando da “Continental Battle”.


O resultado naquele momento não foi positivo para o Brasil. O que você achou de tudo e como se sentiu? Pretende competir nos próximos anos?

Me senti como iniciante, alguém que tinha acabado de renascer no mundo do Breaking e que tem muito a melhorar enquanto dançarina.




O que você acha sobre os espaço destinados às mulheres dentro dos eventos de Breaking brasileiros?

Acho que ainda é muito desconfortável para as mulheres, principalmente mulheres com filhos, em muitos eventos não há espaço para amamentação, fraldário, espaço para as crianças. A mulher ainda se sente desconfortável para vestir o que bem quiser em um evento, ela fica entre se masculinizar e ser vista como “lésbica”, “macho demais para ser mulher” ou colocar algo mais feminino e ser sexualizada, assediada por causa disso. É muito triste que o sexismo tenha atingindo lugares de inclusão como eventos de Hip-Hop.




Se pudesse deixar um recado para todos que estão lendo a sua entrevista o que diria?

Não tenha medo, nem vergonha de dançar o que você é, de expressar o que você quer ser. Em qualquer competição… Vence aquele (a) que aprende!

 


Luciana Mazza: Jornalista, Cineasta e Editora no Portal Breaking World

 

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