'GRAIL FEMININO': PORQUÊ É TÃO DIFÍCIL ENCONTRAR?
'GRAIL FEMININO': PORQUÊ É TÃO DIFÍCIL ENCONTRAR?
Jun 15, 2021

'GRAIL FEMININO': PORQUÊ É TÃO DIFÍCIL ENCONTRAR?

Victor Santo FOTO: Anne Bediones, Nathaniel S. Butler/Getty Images, Complex, REBSXCARVALHO, Danielle Sampaulo, Julio Nery

O tradicional pensamento machista que ditava as regras de comportamento em uma sociedade, e principalmente por interferir no agir, ser e no pensar das mulheres, impedindo que elas fossem o que desejassem ser, era o que reinava há décadas atrás.


O mercado de trabalho era limitado e se resumia ao lar, o cabelo tinha que ser na maioria das vezes longo e dependendo da ocasião deveria estar preso para não soar vulgar, sem falar na maquiagem que deveria ser discreta para não ser vista e julgada como meretriz. Isso tudo por respeito ao seu companheiro. Cabelo curto? Nem pensar, já que a honra feminina seria ferida e elas jamais poderiam se assemelhar a um homem. Mãe solteira? Tão pouco... As vestimentas tinham que parecer femininas e é claro, seus calçados, hora sandálias ou salto alto era o ideal e esperado para elas usarem.


Ninguém perguntou a elas se estava tudo bem, se era dessa forma que elas se sentiam mais a vontade ou se era dessa maneira que gostariam de levar a vida. É no mínimo egoísta e tendencioso tal modelo mental imposto por homens e durante gerações.


Apesar de as dificuldades serem mais brandas, independentemente do setor, as vezes nos esbarramos com questões do tipo: Por que eles têm o mesmo cargo e ela ganha menos? Por que não existem o mesmo número de jornalistas mulheres do que homens, por que não existem atletas femininas para essa modalidade esportiva?



(Jourdan Dunn e Eva Apio)


E como falamos há pouco em calçados, existe um outro problema peculiar que nasceu com o crescimento do consumo e da cultura de tênis de uns anos para cá. Independente da marca ou determinado modelo, as opções são variadas para a grade masculina, porém quando as meninas querem encontrar o seu ‘holy grail’, as coisas mudam de figura.



(Camille Little, Sue Bird e Swin Cash)


O consumo feminino de tênis seja ele pela prática esportiva ou para uso casual é comprovadamente notado, mas infelizmente as marcas aparentam não ter esse mesmo pensamento e não reconhecem esse publico como um nicho que gera receita, pelo menos não tão quanto o masculino. Mas por quê?


Conversamos com algumas sneakerheads e apaixonadas pelos tênis para saber a opinião delas sobre o que justificaria tal dificuldade:

 


DAMARIES NEGRON – COLECIONADORA DE TÊNIS


“Como colecionadora de tênis, me deparo com vários problemas. Um deles é que não há variedade de modelos para mulheres. Disponibilidade de tamanho é um outro problema porque nem todos os modelos tem versões comemorativas para mulheres, para os homens muitas vezes não tem disponibilidade também, mas para mulheres é mais escasso mesmo. Por exemplo, Lebron South Beach 8. O retro não vai lançar em tamanhos menores que 33. Quando eles foram lançados há 10 anos atrás, os tamanhos GS estavam disponíveis. Esse tipo de coisa precisa mudar, caso contrário, nós mulheres, não teremos acesso ao retro. Espero que as marcas estejam nos observando e ouvindo, pois ainda temos dificuldades em encontrar os produtos
...”



ANDREA MARTINS – PROFESSORA DE INGLÊS E COLECIONADORA DE TÊNIS


“O mercado de tênis no Brasil funciona apenas para os homens e por uma questão muito simples: O machismo faz com que as mulheres pensem por exemplo que o basquete é apenas para homens. Além disso, temos outra agravante... Nossa cultura foi sempre de feminilidade, de exaltar o feminino. O tênis nunca foi visto como um símbolo de feminilidade ou como um item de uma mulher, então é muito complicado falarmos sobre isso... Porque vem de uma raiz machista, que mulher por exemplo não entende de basquete, que nunca esteve inserida de fato no basquete, todas as mulheres que jogam são vistas com outros olhos, então muita coisa contribui para que hoje a gente não receba tênis como os ‘OGs’. E infelizmente, na minha opinião, não vejo uma perspectiva para mudar esse cenário, porque é algo que está enraizado, mas nós aos poucos estamos conquistando nossos espaços.

Um dos motivos pelos quais as marcas dizem que não trazem os tênis, é porque não tem demanda, pelo baixo consumo em si e justamente pelo motivo que falei, por vivermos em uma sociedade machista que exclui as mulheres.

Por causa dessas limitações, várias vezes eu tive que contar com a ajuda de amigos para comprar o tênis do exterior quando o dólar estava mais barato. Como eu calço 34, eu tinha que comprar os GS (Grade School) e mesmo assim, até lá fora, tinham mulheres que tinham dificuldades para encontrar o seu número. Sem contar que a qualidade desses números não é a mesma dos adultos...”



DEBORA TAYLOR - ATLETA AMADORA E FUNDADORA DO PRJCT//RUN


“Minha paixão por tênis vem desde criança, mas devido as condições financeiras de minha família, era possível comprar o que dava e quando dava. Tamanho pequeno no Brasil é muito difícil, é muito raro vir e quando falamos de uma cor ou modelo específico, é pior, sem contar que é muito caro. Quando chega um determinado lançamento ou uma edição limitada, não tem numeração e por mais que eu tenha 1,80, eu calço 38, eu não encontro e quando vem, por exemplo nos sites de algumas marcas os modelos esgotam muito rápido.

Eu não me importo se o tênis é feminino ou masculino. Através da corrida, pude visitar outros países e assim encontrar os tênis que eu gosto com mais facilidade. Hoje em dia o acesso no Brasil é melhor, mas não consigo entender por que é tão difícil encontrar...”

 


LUCY HORN – GERENTE OPERACIONAL STREETOPIA E DONA DE UNS BELOS SNEAKERS


“Acredito que a maior dificuldade que as mulheres têm no mercado nacional hoje  é justamente porque os números comprovam que os homens estão a frente do mercado sneaker. O mercado nacional de tênis não está preparado para a quantidade de mulheres que estão em busca dos grails que gostariam de colecionar, e se a gente for ver em pesquisas, a grande parte das mulheres no brasil tem uma numeração pequena. Eu felizmente fujo dessa regra pois calço 39 e consigo encontrar na numeração masculina.

A gente também consome basquete, a gente consome moda e as vezes muito mais que os homens. Historicamente as mulheres ganham menos que o homem, então os valores, dependendo do tênis, acabam sendo surreais e distantes da nossa realidade. Então a gente precisa lutar um pouco mais pra quando o tênis for lançado, conseguirmos a grana e comprarmos o tênis.

Esses são fatores importantes pare refletirmos dentro desse cenário de consumo de tênis e também bater de frente para que possamos ter maiores possibilidades de compra...”

 


PATRÍCIA OLIVEIRA – ANALISTA DE IMPLANTAÇÃO E APAIXONADA POR TÊNIS


"É muito complexo falar sobre esse assunto, por que geralmente quando vem algumas silhuetas para o Brasil, vem em quantidade limitada e a gente sabe que o universo dos sneakers ainda é muito masculino. A gente consegue ver isso nas lojas de tênis por exemplo, faltam muitas vendedoras ali.E eu não acredito muito nessa parada de classificação de sexo por modelo de tênis. É obvio que em algumas marcas existem formatos e tamanhos de tênis para mulheres e homens. Eu acho que cada um usa o que gosta e incorpora o tênis no seu próprio estilo, e estilo é vivência e isso a gente não constrói da noite para o dia.

Se levarmos ao pé da letra, e se considerarmos os tamanhos, os femininos sempre vem em um modelo comum e para os homens o maior número de silhuetas limitadas, então são poucas mulheres que conseguem usufruir e eu me incluo nisso.

Faltam ainda mais mulheres na linha de frente das marcas – As silhuetas mais famosas tem sempre uma conexão com uma figura masculina, seja um jogador, um rapper. Faltam tênis inspirados em mulheres. É muito triste..!"


Estamos na torcida para que esse cenário mude e que o acesso aos tenis e principalmente ao seus tão desejados 'grails' seja mais plural e não tão segmentado.

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